sexta-feira, 22 de junho de 2012

A fraude no INSS em Santa Maria/RS

Recentemente mais uma notícia de fraude toma conta das páginas dos jornais no município e no Estado:

Polícia Federal deflagra operação contra esquema de favorecimento de empresários pelo INSS, em Santa Maria 12/06/2012 10h17min – Diário de Santa Maria- Uma operação da Polícia Federal (PF) em conjunto com o Ministério Público Federal e o Ministério da Previdência desarticulou na manhã desta terça-feira um suposto esquema de favorecimento de empresários por uma servidora da agência do INSS de Santa Maria. 

 Nessas reportagens muito se fala em prejuízos para o INSS, mas, na verdade, os mais prejudicados foram uma gama muito grande de trabalhadores que tiveram seus benefícios (auxílio- doença- acidentário) negados.

Além disso, outro prejuízo, e talvez o maior, é o reflexo desse procedimento fraudulento da Autarquia na seara trabalhista, pois, muitas vezes, o juiz e o perito são firmes no sentido de que se  o INSS negou o nexo causal,  não é permitido uma dilação probatória sobre o assunto.

Todavia, há de se ressaltar que o trabalhador que procura a Justiça Estadual – competente para julgar benefício decorrente de acidente do trabalho -,  buscando  a concessão ou restabelecimento de benefício tem tido o amparo dessa Justiça com decisões brilhantes, favoráveis aos trabalhadores, tanto no 1º grau como no 2º grau, que, muitas vezes, afastam o laudo pericial judicial, reconhecendo o direito com base em outros documentos do processo.

Vejamos a ementa do Agravo de Instrumento de nº - 70040139263 TJRS -interposto por este escritório:

Agravo de instrumento. ação previdenciária. auxílio-doença. benefício.  restabelecimento. prova. antecipação de tutela. JUíZO DE PROPORCIONALIDADE.A concessão do benefício previdenciário deve ser concedido quando presentes elementos suficientes que comprovem a impossibilidade de retorno ao trabalho. Documentos médicos que não se revestem de qualquer suspeita sobre sua confecção. Presentes os pressupostos da antecipação de tutela e avaliados proporcionalmente os direitos em debate é possível o deferimento do benefício. (...) Por tudo isso, observa-se que o risco a ser enfrentando e suportado pelo instituto previdenciário é ínfimo em confrontação ao risco da recorrida em face da ação em primeiro grau debatida, cumprindo seja concedido o restabelecimento do benefício previdenciário, eis que presentes os requisitos que possibilitam a concessão da tutela antecipada.Desse modo, deve ser mantida a decisão agravada. (...) Grifo nosso


Vejamos uma decisão de 2º grau em Recurso deste escritório:

Neste cenário, entendo que existam provas suficientes a demonstrar que a parte autora está incapacitada temporariamente para as atividades habituais, em função do trabalho desenvolvido, que reconhecidamente atuou ao menos em concausa, de modo que o benefício mais adequado é o auxílio-doença de caráter acidentário.Delineado o grave quadro patológico da autora em decorrência de moléstias ocupacionais e atentando-se, ademais, para o princípio in dubio pro misero, reputo que realmente faz jus ao recebimento de auxílio-doença de caráter acidentário, uma vez que preenchidos os pressupostos legais.Vale ressaltar que o Magistrado não está adstrito à conclusão do laudo pericial, vigendo em nosso ordenamento jurídico o princípio do livre convencimento motivado, tendo o julgador ampla liberdade na apreciação do conjunto probatório para a formação de seu convencimento. (Apelação  nº 70045150067- TJRS) grifo nosso


É claro que o TRT4 também, em algumas situações, tem reconhecido o direito do trabalhador, independente inclusive, de concessão de benefício previdenciário, condenando a empresa no pagamento da estabilidade provisória nos termos do art.118 da Lei 8.213/91.  

[...] Os atestados médicos acima referidos comprovam que o reclamante estava acometido de tendinite quando da despedida. Atente-se ao fato de que os diagnósticos foram elaborados por médicos diferentes.
Dessa forma, faz-se necessária uma análise com o objetivo de se verificar se a referida doença profissional tem ou não relação com as atividades desempenhadas na reclamada.
O tipo de trabalho desempenhado pelo reclamante, como se vê na descrição realizada no lauto técnico, pelo perito engenheiro, autoriza que se reconheçam como atividades que exigiam muita movimentação dos membros superiores. De acordo com o laudo pericial (180/193), “Na esteira chegavam as peças de carne, às vezes com ossos, então o autor procedia a desossa da peça e largava na linha de produção, seguindo na mesma esteira. Daí então os ossos eram retirados e colocados em outra esteira para serem desprezados. Após esse período o autor relata que foi remanejado para trabalhar na câmara de congelamento. Nesse setor sua função era carregar as caixas de carne que chegavam na esteira da linha de produção, empilhando-as dentro da câmara de congelamento. Cada caixa pesa em torno de 25 a 30 Kg, segundo o autor. Nessa última atividade o autor relata ter trabalhado por 06 meses.” (grifos atuais).


Diante desse contexto, entende-se que o trabalho desempenhado pelo reclamante, no mínimo, contribuiu para o aparecimento das patologias diagnosticadas. Nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.213/91, equiparam-se a acidente de trabalho a doença profissional e a doença do trabalho, assim entendidas, respectivamente, a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar à determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, e a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho realizado e que com ele se relacione diretamente. Com isso, há que se considerar que se trata de doença ocupacional, equiparada a acidente de trabalho.
[...]
No caso dos autos, o reclamante não percebeu auxílio doença acidentário. No entanto, e de acordo com os atestados médicos juntados aos autos, o reclamante se afastou diversas vezes do trabalho, nos últimos meses, de formas sucessivas, sendo que a reclamada, mesmo diante dessa situação, não encaminhou a emissão de Comunicação de Acidente de Trabalho. Dessa maneira, está claramente demonstrado que a reclamada, com essa atitude, visou postergar os direitos do reclamante, o prejudicando. Assim, pode se afirmar que, se a reclamada tivesse adotado corretamente as medidas cabíveis, o reclamante teria sido afastado por mais de 15 dias e, após esse tempo, teria percebido auxílio doença acidentário. Como conseqüência, no caso, faria jus ao direito da estabilidade provisória.
[...]
Passa-se a analisar, agora, a questão relativa à indenização por danos morais.
Uma vez constatado, na forma da análise feita acima, que o reclamante estava acometido de tendinite (doença profissional), quando da despedida, e, de que há nexo causal entre a doença e as atividades realizadas na empresa, lhe é devida compensação pelos danos morais sofridos, através da indenização respectiva.(TRT4 0094300-68.2008.5.04.0702 RO) grifo nosso


Por outro lado, esse caso recentemente aberto à sociedade deve ser alvo de uma investigação mais abrangente, pois como a chefe da fraude – Isabel Cristina Cargnelutti Rossato - era também a chefe dos médicos peritos do INSS, presume-se que a fraude não era apenas em relação aos PPRA, LTCAT e atestados ocupacionais, mas também prejudicava os segurados que solicitavam outros tipos de benefício, que sistematicamente, eram indeferidos, para demonstrar honestidade por meio de uma austeridade excessiva, provavelmente usada visando a afastar qualquer suspeita sobre o crime organizado ali instalado.


No dia 12.06.2012, foi realizado um grande debate no Fórum Interinstitucional Previdenciário que se realiza periodicamente em Porto Alegre, na sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, entre representantes da OAB/RS, Defensoria Pública, Procuradoria do INSS, Ministério Público Federal, Juízes e Desembargadores do referido Tribunal. O debate nesse dia deu prevalência às perícias judiciais e, dessa forma, eu, como uma das representantes da OAB, levantei o caso sobre  irregularidades nas perícias em Santa Maria, da interferência dos peritos do INSS nas perícias judiciais e da necessidade de que estas  não sofram a intervenção do INSS, referendando a opinião do Desembargador João Batista Pinto Silveira que apresentou sugestão no sentido de que  o INSS não participasse das perícias judiciais, visando a dar maior equilíbrio  entre as partes porque o segurado, na maioria das vezes, não tem como se fazer acompanhar de assistente técnico, e porque o médico do INSS que normalmente, acompanha a perícia judicial é o mesmo  que não reconheceu a incapacidade administrativamente. Cita-se como exemplo, as perícias judiciais na Justiça Federal na área de ortopedia/traumatologia que não reconhecem o direito dos segurados que comprovadamente estão incapazes para o trabalho.

Por isso, é urgente e imprescindível que a investigação ora deflagrada na mídia seja aprofundada, e, que se estenda a todo o tipo de perícia realizada pelo INSS em Santa Maria, ou seja, que não fique limitada, apenas, aos casos de acidente do trabalho, pois não se pode olvidar que a chefe dos peritos do INSS era, justamente, a pessoa que comandava a fraude.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

STJ CONFIRMA REFORMA E INDENIZAÇÃO A MILITAR QUE PERDEU A VISÃO DECORRENTE DE ACIDENTE EM SERVIÇO

                     Trata-se de ação ordinária interposta por este escritório representando militar que sofreu acidente em serviço no ano de 1999, no qual o militar perdeu a visão do olho esquerdo quando estava à serviço do Exército. O militar foi reformado em março de 2001 por incapacidade definitiva, porém foi reformado como soldado recruta, ou seja, contrariando a própria Lei dos Militares, uma vez que após um ano de serviço como recruta, passa-se automaticamente para soldado engajado.  Assim, o autor requereu a retificação do ato administrativo em que foi  reformado no posto de soldado recruta, bem como, ao pagamento de uma indenização por danos morais, cuja indenização foi fixada pela Justiça em R$ 60.000,00.

 Devidamente processado o feito, foi prolatada a sentença nos seguintes termos:


PELO EXPOSTO, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na inicial para determinar à Ré que proceda ao recálculo dos proventos de reforma do Autor, tomando-se como base o soldo por ele recebido antes de sua reforma (soldado engajado - NB), com o pagamento dos valores atrasados desde a data da reforma, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês desde a citação. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, em atenção ao disposto na alínea "c" do parágrafo 3º e no parágrafo 4º do art. 20 do CPC. Face à sucumbência recíproca, e, tendo a União decaído em maior parcela do pedido, condeno-a ao pagamento de ¾ da verba supramencionada ao Procurador do Autor. Outrossim, condeno o Autor ao pagamento do ¼ restante ao Procurador da União, cuja exigibilidade, todavia, fica suspensa, face ao deferimento do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. Não há custas processuais a serem ressarcidas tendo em vista que o Autor nada adiantou e a União é isenta de tal pagamento (art. 4º, inc. I e § único da Lei nº 9.782/96). Sendo espécie sujeita ao reexame necessário, com ou sem interposição de recurso voluntário pelas partes, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

                  A UNIÂO apelou por entender que não estava comprovada a invalidez ou incapacidade definitiva do autor para qualquer trabalho, condições estas necessárias para exercer o direito de receber os proventos na forma como postulada ou deferida. Sustenta que, em face disso, não há como retificar o ato administrativo de reforma questionado nos autos. Por fim, requer a redução da verba honorária.

                   Também apelou o autor, recurso adesivo, pediu a procedência do pedido de indenização por danos morais, consubstanciados na dor, sofrimento e dano estético causados pelo acidente de trabalho que lhe custou a visão do olho esquerdo.

                    O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou a decisão de 1ª Grau, cuja ementa é a seguinte:

"ADMINISTRATIVO. MILITAR. REFORMA. PERDA DA VISÃO DO OLHO ESQUERDO. ACIDENTE EM SERVIÇO INCAPACIDADE PARA ATIVIDADES MILITARES. RETIFICAÇÃO DO ATO DE CONCESSÃO DA REFORMA. DANO MORAL.



. A Lei nº 6.880, de 09-12-1980, dispõe que o militar da ativa deverá ser reformado em caso de incapacidade definitiva decorrente de ferimento recebido em campanha, acidente em serviço, doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com relação de causa e efeito a condições de serviço. Concedida a reforma pelo Exército porque comprovada a incapacidade do autor para as atividades militares em decorrência de moléstia adquirida durante a prestação do serviço militar, esta deve ser calculada com base no soldo correspondente ao último grau hierárquico que possuía na ativa soldado engajado), e não naquele que ocupava quando ocorrido o acidente (soldado recruta). Recálculo das diferenças que se impõe. . A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano , da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º da CF/88). . Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável à Administração e o dano, exsurge para o ente público o dever de indenizar o particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo. . À luz da melhor doutrina e com fundamento na Constituição Federal, art. 5º, V e X, restando provado o fato que gerou a ofensa aos valores morais atingidos, é de ser reconhecido o direito à indenização. . O caso dos autos diz respeito ao abalo sofrido em razão de acidente de serviço durante operação militar, trazendo como seqüela a perda da visão do olho esquerdo, e o conseqüente desligamento dos quadros do Exército, local onde o autor pretendia seguir carreira. . Indenização fixada em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), segundo a situação econômica do ofensor, prudente arbítrio e critérios viabilizados pelo próprio sistema jurídico, que afastam a subjetividade, dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade à ofensa e ao dano a ser reparado, porque a mesma detém dupla função, qual seja: compensar o dano sofrido e punir o réu. . Correção monetária fixada na esteira dos precedentes da Turma. . Juros moratórios mantidos. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. . Apelação da União e remessa oficial improvidas. Recurso adesivo parcialmente provido." (Grifo nosso)

                     Dessa decisão, a UNIÂO interpôs Recurso Especial ao STJ, o qual foi NEGADO SEGUIMENTO. Ainda, apresentado Embargos de Declaração pela União, os quais também foram negados.

Inconformada com a decisão, a UNIÂO interpôs Agravo de Instrumento em REesp o qual foi Ementado da Seguinte forma:

ADMINISTRATIVO. MILITAR. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. INCAPACIDADE LABORATIVA. QUANTUM ARBITRADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. EXORBITÂNCIA. INEXISTÊNCIA.

1. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. 2. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido na instância ordinária, atendendo às circunstâncias de fato, da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 3. Agravo regimental a que se dá provimento, a fim de conhecer parcialmente o recurso especial, porém negando-lhe provimento nessa extensão. (Grifo nosso)

Assim, foi transitada em julgado a decisão em 04/06/2012.


Nº processo: 2002.71.02.009531-5
Autor: Luis Carlos Siiva dos Santos
Advogada: Francisca Moreira da Costa OAB/ RS 18.346