quarta-feira, 29 de setembro de 2010

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A Desconsideração da Dignidade e dos Direitos do Trabalhador.

Absurdo foi o recente posicionamento de uma das turmas do TRT4 no processo nº 01818-2007-701-04-00-6, no qual o trabalhador pleiteava o direito de dar por rescindido o contrato de trabalho de forma unilateral – rescisão indireta- e indenização por assédio moral, ante as irregularidades cometidas pelo empregador, que além de aumentar o valor das metas de venda, quando próximo dos funcionários as atingirem; deixava de recolher devidamente o FGTS, entre outras irregularidades, e, como se não bastasse, quando o trabalhador e sua equipe conseguiam atingir o valor estabelecido como meta, diga-se de passagem, exorbitante, considerando o porte da filial, o empregador não pagou o valor devido prometido a título de prêmio, desconsiderando a dignidade e os direitos do trabalhador.

Na ocasião, o empregador comprometeu-se que se o funcionário atingisse a meta de R$ 150.000,00 em vendas, receberia um prêmio de R$ 5.000,00. Para isso o autor mobilizou toda a equipe para alcançarem a meta do mês, comprometendo-se em dividir parte do prêmio com os colegas.

Todavia, o empregador pagou apenas R$2.000,00, valor que foi dividido com a equipe da empresa e, prometendo o pagamento do restante que seria a sua parte para o próximo mês. Novamente, a empresa descumpriu o prometido, postergando o pagamento sempre para o mês seguinte, deixando o empregado com sua renda totalmente comprometida, pois o valor da segunda parcela não foi alcançado pela empresa, valor considerável se levarmos em conta o salário que ele recebia.

Absurda é uma palavra branda para qualificar a decisão que reconheceu o valor devido, mas compactuou com o ilícito praticado com o empregador. Na verdade, o Tribunal violou o artigo 483 da CLT de forma escancarada, invertendo a situação, pois, uma vez reconhecendo que o empregador não havia recolhido o FGTS, nos termos exigidos na lei, nem tampouco, pagara o que era devido a título de remuneração – prêmio- deveria, por certo, considerar o direito do trabalhador que buscava resolver um contrato de trabalho, pois o empregador não respeitava seus minguados direitos assegurados na lei. Mas não, em vez disso, o Tribunal preocupou-se com o direito potestativo da parte mais forte da relação, o empregador, desconsiderando o direito do trabalhador.

Sem dúvida, é muito grave a decisão da Justiça Trabalhista, ao compactuar com ato ilícito do empregador.

Como se sabe, o salário recebe total proteção da legislação vigente, em razão do caráter alimentar que possui. Nesse sentido, o professor Maurício Godinho Delgado[1] defende a existência do princípio da intangibilidade salarial, onde “esta parcela justrabalhista merece garantias diversificadas da ordem jurídica, de modo a assegurar seu valor, montante e disponibilidade em benefício do empregado.

No mesmo raciocínio, Paulo Henrique de Godoy Sumariva[2] continua:

Nítida a intenção do legislador em proteger o trabalhador em seu aspecto remuneratório. A Convenção n.º 95, da OIT, de 1949 foi aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 24, de 1956 e promulgada pelo Decreto n.º 41.721, de 1957, é que cuida da proteção ao salário. Dentre algumas garantias, definem as legislações citadas a proibição do pagamento de salário sob forma de bônus, devendo ser pago em moeda de curso legal no país, a obrigatoriedade do pagamento diretamente ao empregado, a sua impenhorabilidade, a preferência ao pagamento de falências, dentre outros direitos.

Afinal, o que mais se quer, que o trabalhador aceite de forma submissa a violação de seus direitos? Digamos que se fosse o trabalhador que tivesse retirado alguns reais do caixa da empresa, a resposta é certa, o empregado seria demitido por justa causa por ter cometido furto qualificado.

Mas, e o ato do empregador ao deixar de pagar R$3000,00 -dívida reconhecida em sentença- não é crime? Digo com muita certeza: é crime. O empregador não pode apropriar-se indevidamente do salário do trabalhador, pois este é o resultado do seu trabalho, e o seu único meio de sobrevivência. Caracterizado, pois, a apropriação indébita, crime tipificado no art.168 do Código Penal.

Nesse ínterim, Sumariva[3] assevera:

Enquanto o Congresso Nacional não normatiza referido mandamento constitucional, a conduta prevista em nossa Constituição pode se amoldar, em caráter geral, ao crime de apropriação indébita, prevista no artigo 168 do Código Penal. Nessa linha de entendimento encontramos as opiniões dos magistrados João Humberto Cesário e Sérgio Pinto Martins.

Não bastasse o valor irrisório pago no Brasil a título de salário, o empregador sem a menor parcimônia, apropria-se do salário dos empregados, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e, pior, tem o consentimento do Poder Judiciário, órgão que tem o dever e a responsabilidade social de coibir esse tipo de ato ilícito.

Até quando vamos ter que conviver com situações como essas?

Há juízes que são insensíveis aos danos sofridos no ambiente de trabalho, concedem aval a tese dos advogados das empresas que alegam a existência de uma indústria do dano moral, quando na verdade vivemos uma epidemia de assédio moral no trabalho.

Vejamos trecho do livro os Miseráveis de Victor Hugo[4]:

Não haveria excesso de peso em um dos pratos da balança, justamente naquele em que está a expiação?

[...]

Pode a sociedade ter o direito de sacrificar seus membros , ora pela sua incompreensível imprevidência, ora pela sua impiedosa previdência, acorrentando indefinidamente um homem, entre essa falta esse excesso, falta de trabalho e excesso de castigo? Não seria, talvez exagero a sociedade tratar desse modo precisamente os seus membros mais mal dotados na partilha dos bens da fortuna e, consequentemente os mais dignos de atenção?

Não falta pouco para que os trabalhadores sejam obrigados a trabalhar na condição de escravos e suportarem isso como natural. “Afinal, o empregador precisa sobreviver, os empregos precisam ser mantidos.” Mas para que? Para seus filhos desfilarem em veículos de último modelo, enquanto o trabalhador não pode ao menos, adquirir um fusca! Até quando isso vai ser permitido neste país, sob o manto de proteção ao direito potestativo de demitir do empregador em detrimento dos parcos direitos do trabalhador, que dá toda a sua força de trabalho em troca de nada – pagamento salário mínimo para trabalho de 44 horas semanais -.

Esqueceu-se a C. Turma que a Justiça do Trabalho, é uma Justiça Social e por isso, distributiva, a continuar agindo assim tende a desaparecer, pois “hoje retrai-se porque o capital exige espaço mínimo à intervenção estatal. Mas, se a Justiça do Trabalho não pode desaparecer, precisa urgentemente remodelar o seu espaço de atuação.”[5]

Há até quem diga que o juiz, ou é “empregador” ou “trabalhador”, tentando justificar a parcialidade. O juiz não pode ser parcial, a imparcialidade é condição sine qua non do juiz, sob pena de nulidade do julgamento. Se o juiz tem préposicionamento a favor dos direitos de uma determinada parte, deve largar o Poder Judiciário e advogar, aí ele terá liberdade de escolher a causa que vai advogar de acordo com as suas tendências e princípios.



[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo, LTR. 4. ed, 2005, p. 206

[2] SUMARIVA, Paulo Henrique de Godoy. Aspectos penais da retenção dolosa de salário. Revista Jus Vigilantibus. 19 fev 2006.

[3] SUMARIVA, Paulo Henrique de Godoy. Op.cit.

[4] HUGO, Victor. Os Miseráveis. p.99.

[5] ROCHA, Ibraim José das Mercês Rocha. JUSTIÇA DO TRABALHO - Breve Reflexão Sobre A Sua Crise E Apontamentos Sobre Novos Rumos Para Um Sistema Judiciário Do Trabalho.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

V Seminário Regional de Direito Previdenciário


Foi um sucesso o V Seminário Regional de Direito Previdenciário realizado em Santa Maria promovido pela OAB/RS, por meio da Comissão Especial de Previdência Social (CEPS) presidida pelo Dr. Edmilson Michelon, da Escola Superior de Advocacia (ESA), em parceria com a subseção de Santa Maria.


O evento aconteceu no auditório da antiga reitoria da Universidade Federal de Santa Maria, o qual foi prestigiado por advogados de várias regiões do estado, coordenado pela advogada Maria Francisca Moreira da Costa, membro da comissão com o apoio desmedido do Presidente da subseção de Santa Maria, José Fernando Lutz Coelho e com a participação das advogadas Milânia Gaube Messias e Miriâ Ávila Ribeiro.


No seminário foram ministradas várias palestras abrangendo o Direito Previdenciário no âmbito dos Juizados Especiais:


“A inconstitucionalidade da contribuição sobre a produção rural conforme o STF”, pela Dra. Jane Berwanger;


“Recursos no âmbito dos Juizados Especiais Federais” pela presidente INDP Melissa Folmann;


“Requisitos para a admissibilidade de recursos perante a Turma Regional de Uniformização (TNU) e Turma Nacional de Uniformização” pelo Procurador Federal Rubem Correa da Rosa;


“A publicidade no exercício profissional da advocacia”, pelo advogado Sergio Blates;


E por fim , o presidente da Comissão de Direito Previdenciário, Edmilson Michelon “destacou a criação de um novo canal de interlocução com os atores do processo previdenciário junto ao TRF4: o Fórum Interinstitucional Previdenciário. “Este espaço foi criado a partir da insistente proposição da CEPS. Realizamos o primeiro Fórum na última quarta-feira (25), no qual pautamos diversas dificuldades, debatendo algumas delas. Houve avanços, mesmo com o grande número de temas pautados....”

A hipocrisia da conciliação como solução aos problemas que afligem o Poder Judiciário

Depois de alardearem na imprensa que a causa do elevado número de processos é fruto do gosto do gaúcho por conflitos e da falta de responsabilidade de advogados que ajuízam ações “temerárias”, a referida reportagem, também, foi objeto de manifestação do Presidente da OAB, Seccional Rio Grande do Sul e de outro colega no sentido de que a situação é complexa e foi colocada na imprensa de forma simplista.

A imprensa, de forma irresponsável e simplista, elencou dois fatos discutíveis como sendo a causa do elevado número de processos que tramitam no Judiciário do Rio Grande do Sul, e, agora apresenta a solução para a sociedade gaúcha: a conciliação.

Não bastasse isso, recentemente, outra matéria foi publicada na Zero-Hora, de autoria de Moacyr Scliar, na qual afirma que, na verdade, o elevado número de processos é decorrente da falta de bom senso dos cidadãos.

A imprensa continua pressionando o povo gaúcho com o intuito de reduzir o número de demandas, tratando, de uma forma simplista, uma situação complexa que tem como causa inúmeros fatores, inclusive, alguns desses fatores foram trazidos por mim e por colegas em rebate, inclusive, às “ informações” trazidas a nós, ou melhor, as desinformações trazidas pela imprensa.

Entretanto, os esclarecimentos emergem, pelos seguintes motivos:

Primeiro, ao contrário do que se fala, as conciliações vão assoberbar os Tribunais. Pois, vão estimular o mau pagador. Tomemos o exemplo do INSS que indefere pedidos de benefícios, de forma arbitrária e irregular, e, que, na sua maioria esses benefícios são reconhecidos judicialmente.

Acontece que, se a conciliação aumentar, o INSS vai aumentar, proporcionalmente, o número de indeferimentos, pois é muito mais vantajoso para a Autarquia que o segurado procure o Judiciário, pois numa conciliação o INSS, além de obter um prazo dilatado para o cumprimento da obrigação, vai reduzir consideravelmente a sua despesa, pois ao invés de pagar num acordo – a título de exemplo – a quantia de R$20.000,00, o Instituto pagará no máximo R$ 9.600,00, pois nos acordos judiciais, paga no máximo 50 % do total do crédito, vez que do valor do crédito é proposto um percentual menor e, além disso são excluídos os juros e a correção monetária.

Disso conclui-se que, a realização de acordos nos termos em que estão sendo realizados, especialmente, com o INSS deve ser feita em raríssimas exceções.

Isso, sem considerar o fato de que o juiz, somente, oferta audiência de conciliação depois de encerrada a instrução, ou seja, quando provado que o segurado tem o direito garantido pela lei.

Assim, o INSS não corre nenhum risco, o que demonstra ser a conciliação uma situação vantajosa, apenas, para o INSS, pois o acordo é proposto depois da sucumbência evidente da Autarquia.

De outra maneira, não será o reflexo na Justiça do Trabalho, pois as propostas, também, servirão de estímulo aos empregadores para sonegarem os direitos dos trabalhadores, pois vão ter a certeza que o trabalhador, submeter-se-á a um acordo irrisório, muitas vezes, inferior a 50% do que lhe é devido, vez que, na maioria das vezes, fica sem opção, diante da falta de recursos para a sua sobrevivência.

Antes de a conciliação passar a ser um procedimento amplamente aplicado no Judiciário, deveria haver uma preparação dos magistrados para intermediarem as conciliações, para que os conflitos sejam solucionados de forma mais equilibrada, afim de evitar que os maus empregadores sejam estimulados a desrespeitar os direitos trabalhistas e quitarem seus débitos na Justiça do Trabalho por valores irrisórios.

Nesse sentido, é o juiz trabalhista, exemplo de Magistrado, o Dr. Jorge Luiz Souto Maior tem o seguinte entendimento sobre acordo na Justiça do trabalho:

“... Analisando-se a experiência vivenciada nas Varas do Trabalho, é fácil perceber a repercussão desse fenômeno do abalo progressivo das garantias trabalhistas.

Primeiramente, muitos empregadores instituíram a prática de não respeitar regularmente os direitos trabalhistas para depois, simplesmente, dispensarem seus empregados sem o correspondente pagamento das verbas rescisórias, forçando os trabalhadores a buscarem a Justiça do Trabalho para reaverem seus direitos, e, nas reclamações trabalhistas propostas, formularem propostas de acordo para pagamento de apenas parte dos direitos devidos, com a obtenção do benefício da quitação do extinto contrato de trabalho.

(...)

No processo, quem não pagou as verbas rescisórias vê-se, de certo modo, protegido pelas garantias do “devido processo legal” e o trabalhador que não as recebeu é obrigado a submeter-se à demora do processo ou aceitar receber menos do que lhe é devido em um “acordo”. (artigo: A supersubordinação – Invertendo a lógica do Jogo)

Sábias foram as palavras do Presidente do TRF da 4ª Região, Wilson Darós em programa exibido na TVE, no qual ele afirma que a conciliação é bem vinda, mas que se as entidades públicas e privadas e as empresas terceirizadas cumprissem a lei as demandas reduziriam consideravelmente.

A conciliação seria muito boa, contudo desde que para isso se tomasse muito cuidado, pois o conciliador deve ter preparo e fazer ponderação às partes, para possibilitar um acordo equânime que não resulte prejuízo apenas para uma das partes, sobretudo, ao hipossuficiente como sói acontecer.

A conciliação é bem vinda, não como mero meio de reduzir o número de litígios, mas como meio de satisfazer a entrega da prestação jurisdicional de forma célere e justa.