quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A hipocrisia da conciliação como solução aos problemas que afligem o Poder Judiciário

Depois de alardearem na imprensa que a causa do elevado número de processos é fruto do gosto do gaúcho por conflitos e da falta de responsabilidade de advogados que ajuízam ações “temerárias”, a referida reportagem, também, foi objeto de manifestação do Presidente da OAB, Seccional Rio Grande do Sul e de outro colega no sentido de que a situação é complexa e foi colocada na imprensa de forma simplista.

A imprensa, de forma irresponsável e simplista, elencou dois fatos discutíveis como sendo a causa do elevado número de processos que tramitam no Judiciário do Rio Grande do Sul, e, agora apresenta a solução para a sociedade gaúcha: a conciliação.

Não bastasse isso, recentemente, outra matéria foi publicada na Zero-Hora, de autoria de Moacyr Scliar, na qual afirma que, na verdade, o elevado número de processos é decorrente da falta de bom senso dos cidadãos.

A imprensa continua pressionando o povo gaúcho com o intuito de reduzir o número de demandas, tratando, de uma forma simplista, uma situação complexa que tem como causa inúmeros fatores, inclusive, alguns desses fatores foram trazidos por mim e por colegas em rebate, inclusive, às “ informações” trazidas a nós, ou melhor, as desinformações trazidas pela imprensa.

Entretanto, os esclarecimentos emergem, pelos seguintes motivos:

Primeiro, ao contrário do que se fala, as conciliações vão assoberbar os Tribunais. Pois, vão estimular o mau pagador. Tomemos o exemplo do INSS que indefere pedidos de benefícios, de forma arbitrária e irregular, e, que, na sua maioria esses benefícios são reconhecidos judicialmente.

Acontece que, se a conciliação aumentar, o INSS vai aumentar, proporcionalmente, o número de indeferimentos, pois é muito mais vantajoso para a Autarquia que o segurado procure o Judiciário, pois numa conciliação o INSS, além de obter um prazo dilatado para o cumprimento da obrigação, vai reduzir consideravelmente a sua despesa, pois ao invés de pagar num acordo – a título de exemplo – a quantia de R$20.000,00, o Instituto pagará no máximo R$ 9.600,00, pois nos acordos judiciais, paga no máximo 50 % do total do crédito, vez que do valor do crédito é proposto um percentual menor e, além disso são excluídos os juros e a correção monetária.

Disso conclui-se que, a realização de acordos nos termos em que estão sendo realizados, especialmente, com o INSS deve ser feita em raríssimas exceções.

Isso, sem considerar o fato de que o juiz, somente, oferta audiência de conciliação depois de encerrada a instrução, ou seja, quando provado que o segurado tem o direito garantido pela lei.

Assim, o INSS não corre nenhum risco, o que demonstra ser a conciliação uma situação vantajosa, apenas, para o INSS, pois o acordo é proposto depois da sucumbência evidente da Autarquia.

De outra maneira, não será o reflexo na Justiça do Trabalho, pois as propostas, também, servirão de estímulo aos empregadores para sonegarem os direitos dos trabalhadores, pois vão ter a certeza que o trabalhador, submeter-se-á a um acordo irrisório, muitas vezes, inferior a 50% do que lhe é devido, vez que, na maioria das vezes, fica sem opção, diante da falta de recursos para a sua sobrevivência.

Antes de a conciliação passar a ser um procedimento amplamente aplicado no Judiciário, deveria haver uma preparação dos magistrados para intermediarem as conciliações, para que os conflitos sejam solucionados de forma mais equilibrada, afim de evitar que os maus empregadores sejam estimulados a desrespeitar os direitos trabalhistas e quitarem seus débitos na Justiça do Trabalho por valores irrisórios.

Nesse sentido, é o juiz trabalhista, exemplo de Magistrado, o Dr. Jorge Luiz Souto Maior tem o seguinte entendimento sobre acordo na Justiça do trabalho:

“... Analisando-se a experiência vivenciada nas Varas do Trabalho, é fácil perceber a repercussão desse fenômeno do abalo progressivo das garantias trabalhistas.

Primeiramente, muitos empregadores instituíram a prática de não respeitar regularmente os direitos trabalhistas para depois, simplesmente, dispensarem seus empregados sem o correspondente pagamento das verbas rescisórias, forçando os trabalhadores a buscarem a Justiça do Trabalho para reaverem seus direitos, e, nas reclamações trabalhistas propostas, formularem propostas de acordo para pagamento de apenas parte dos direitos devidos, com a obtenção do benefício da quitação do extinto contrato de trabalho.

(...)

No processo, quem não pagou as verbas rescisórias vê-se, de certo modo, protegido pelas garantias do “devido processo legal” e o trabalhador que não as recebeu é obrigado a submeter-se à demora do processo ou aceitar receber menos do que lhe é devido em um “acordo”. (artigo: A supersubordinação – Invertendo a lógica do Jogo)

Sábias foram as palavras do Presidente do TRF da 4ª Região, Wilson Darós em programa exibido na TVE, no qual ele afirma que a conciliação é bem vinda, mas que se as entidades públicas e privadas e as empresas terceirizadas cumprissem a lei as demandas reduziriam consideravelmente.

A conciliação seria muito boa, contudo desde que para isso se tomasse muito cuidado, pois o conciliador deve ter preparo e fazer ponderação às partes, para possibilitar um acordo equânime que não resulte prejuízo apenas para uma das partes, sobretudo, ao hipossuficiente como sói acontecer.

A conciliação é bem vinda, não como mero meio de reduzir o número de litígios, mas como meio de satisfazer a entrega da prestação jurisdicional de forma célere e justa.

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